domingo, fevereiro 01, 2009

A bela cena da transformação de um herói em cúmplice de um verdadeiro vilão.

Há algo no destino reservado para cada um de nós. Algo que nós faremos, e, por isso, algo que nós devemos fazer. Devemos fazer porque faremos de qualquer forma, mesmo que não façamos.

Veja bem, eu só fiz isso, nada mais. Percebi que o meu papel é esse, e não tive outra escolha a não ser assumí-lo. Entenda que, aqui, entre nós dois, não há maldade maior do que a que obrigatoriamente será feita, não há uma escala, não há comparações. As atitudes se bastam, são independentes. As atitudes são o que são, quaisquer valores, qualquer ética, qualquer moral demonstra tolice. Deus me colocou aqui na tua frente, grande herói, para que eu te mostre isso. Ou tu poderias ser um grande herói sem entender a Divina Malícia?

Não há herói maior do que eu, meu caro. Eu vim aqui para ser o teu adversário, o teu algoz, a tua vítima, o teu tentador, o teu próprio Deus. Deus sim, pois te dou a oportunidade de ser um herói ou um vilão, pois no mundo só há desses dois tipos. Ah, e os macacos.

Sabe, minha mulher chamava o povo de "gado". Eu chamo de macacos. Sabe por quê? Porque macacos fazem barulho, são inquietos e irritantes. Os macacos se alimentam de bagunça, e são inteligentes só para os cientistas, porque são tão burros e previsíveis quanto qualquer ser humano. Com exceção dos heróis e dos vilões, é claro, e eu já voltarei a esse tema.

Primeiro, hei de falar do gado, em homenagem à minha amada esposa, que Deus a tenha. Ela gostava da palavra gado porque achava o povo organizado e dócil, controlável e desperdiçável. Ela controlava os homens como um pastor organiza as ovelhas. Eu não entendo isso, eu não gosto disso. Talvez eu seja menos habilidoso do que ela, e por isso não veja o povo como gado, mas eu prefiro pensar que sou mais humano, e, portanto, me relaciono com mais humanidade nos assuntos humanos.

Lembra dos heróis e vilões? Que não são como os macacos? Pois é, os heróis e vilões são tão bobos quanto os macacos, já que todos nesse mundo são bobos, comparados a Deus. O que nos diferencia é que nós, heróis e vilões, fazemos o nosso dever. Nós teremos o perdão divino, pois fomos escolhidos para ser heróis e vilões. Os macacos não, eles estão lá meramente para que nós possamos engrandecer nossos atos de vilania ou heroísmo. Ou tu pensas, senhor herói, que há vilania sem as vítimas? Ou heroísmo sem os indefesos? Esse é o papel dos macacos: existir em abundância.

A essa altura você já deve estar começando a perceber o quanto estamos próximos. Nós, os vilões, e vocês, os heróis, somos os manipuladores da abundância divina. Na verdade eu não gosto da palavra "manipuladores". Prefiro "desfrutadores", mas eu não posso usá-la. Não posso, porque ao contrário dos outros vilões, que gozam da glória de terem sido escolhidos por Deus para exercer o melhor papel do Teatro Divino, o papel mais divertido e livre, com maior potêncial interpretativo, eu não gosto desse papel. Eu gosto das pessoas, eu gosto de ser gentil, senhor herói. Tu sabes o que é ser gentil? Ser polido? Tu és polido, senhor herói? Gosto dos heróis rudes, que não gostam das pessoas e do mundo, mas que fazem o certo e gosto dos vilões educados e elegantes, que, por sua vez, sabem exercer seu papel de vilão.

Senhor herói, Deus não é roteirista nem diretor da nossa peça. Deus assiste ao espetáculo com um olhar cínico e entretido. Ele gosta dos vilões tanto quanto gosta dos heróis. Mas ele só gosta se formos bem interpretados, entende? Entende o que eu quero dizer?

Faça o seu papel, senhor herói. Seja um herói, interprete o herói, pois Deus te deixou fazer isso. A mim cabe o modesto papel de vilão que será derrotado no final, para que a peça siga seu fluxo e, dessa forma, tu possas se consagrar como benfeitor supremo.

Entende agora, senhor herói? A cada vilão cabe o propósito de eternizar o seu antagonista como seu carrasco. Me ame, pois sem mim tu não és nada. É assim que Deus quer, senhor herói. Agora me dê essa arma. Me dê, e eu prometo pelo meu papel divino, que não darei a glória do meu fim a mais ninguém, se não a ti. Sairei por aí e serei o maior vilão de que já se teve notícia. Só então, futuro herói, meu papel estará cumprido, e aí sim tu poderás me matar, para que, em troca da minha vida nesse nosso pequeno desentendimento banal, tu te tornes o maior herói de todos os tempos. É isso o que tu queres, não? Mais importante ainda, é isso o que Deus quer. Foi pra isso que ele te escolheu. Agora vamos, me dê essa arma, torna-te um herói, é o nosso dever. Está tudo bem, iiisso, devagar, com cuidado. Muito bem.

1 Comments:

At 6:16 AM, Anonymous Anônimo said...

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semelokertes marchimundui

 

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