domingo, maio 23, 2021

"o meu fracasso pessoal é o subtexto de todas as nossas conversas, de todas as tuas perguntas"
/
"esse fracasso seria o subtexto de todas as suas questões"

segunda-feira, novembro 09, 2020

respondendo uma coisa

O que me atrai nos rpgs em geral (incluindo tabletop, videogames, narrativas solo de texto, visual novels) é o foco na construção dos personagens. Evidentemente, essa não é uma característica exclusiva dos rpgs.

Há, no entanto, certas experiências únicas ao rpg de mesa, que é o que me atrai especificamente para essa modalidade.

Como há um certo acordo entre os jogadores e o narrador, o enredo quase sempre foge de uma linha geral pensada, como seria numa forma de arte unificada. No rpg, conhecer os personagens, e conseqüentemente, conhecer os jogadores, é mais importante do que saber o final do enredo, por exemplo. Uma história pode ser ótima, e não dar um bom rpg, enquanto um rpg pode ser ótimo mesmo com um enredo "cliché". Da mesma forma, a ambientação e tema geral da narrativa é mais importante do que o enredo. Existe uma exploração da rotina dos personagens que não existiria na narrativa se não fosse em um rpg de mesa, simplesmente porque não é importante para ninguém além dos jogadores. Diferente do teatro, no rpg a platéia é formada pelos próprios atores.

Quero acreditar que rpgs são como um laboratório narrativo. O sentido mais superficial disso é que tanto os jogadores quanto o narrador estão em processo de implementação de idéias para suas criações, como que "testando as águas" uns dos outros, percebendo e se adaptando às reações dos outros sobre suas escolhas estéticas. Mas isso também acontece em grupos de escrita e leitura, por exemplo. O sentido mais profundo disso, que me parece único ao rpg, é a própria natureza imediata da mecânica narrativa de cada jogo. Digamos que, em uma dada sessão, a narrativa toda aconteça dentro do sonho de um dos personagens do grupo. o narrador, então, poderia combinar com o jogador desse personagem para que ele mesmo narre a sessão, já que ela se passa na mente do seu personagem. Mas imaginemos um exemplo ainda menor: o grupo vai visitar a casa da família de um personagem, e o narrador pede para o jogador descrever o quarto de infância do seu personagem para os outros. Esse momento, ainda que pequeno, separa completamente esse tipo de narrativa de qualquer outra. Um livro, filme ou videogame não pode pedir o input emocional do seu público ao mesmo tempo em que tece a narrativa, só uma mesa pode fazer isso (ainda que nem sempre faça, rs). Quando estamos de frente à uma obra de arte, estamos na verdade olhando para o passado, no sentido de que aquilo já foi iniciado e finalizado antes de termos tido contato com ela. No rpg é o contrário, estamos olhando, de certa forma, para o futuro, tentando forçar nossos interesses na narrativa.

Essas características básicas do rpg funcionam tanto num nível de como a narrativa é construída quanto em como ela é vivenciada. Acredito que o maior "truque" do rpg seja a possibilidade de explorar o que é relevante para cada personagem específico. Se, por exemplo, um jogador cria um personagem há dez anos não fala com sua mãe por qualquer motivo, isso precisa ser abordado durante o jogo. Em algum momento teríamos que ter uma cena sobre os dois, talvez muitas cenas. Como existem outros jogadores, precisamos dar um jeito de fazer isso ser relevante para os outros personagens também. Talvez a mãe deste personagem seja amiga de infância deste outro. Talvez ela seja relevante para a missão de um terceiro. Tentar resolver esses "fios soltos" em grupo é, pra mim, a maior graça do rpg. A narrativa precisa ser dirigida para resolver os conflitos dos personagens. Digamos, em outro exemplo, que aconteça um crossover na nossa mesa. Um personagem de outro rpg que jogamos aparece no que estamos jogando agora. Se fosse num filme ou qualquer outra mídia, seria só isso, um crossover, um cenário fazendo intersecção com outro. Mas imaginemos que eu tenha sido o jogador responsável pela criação do personagem que atravessou. Ele agora está na narrativa, interagindo com o meu personagem atual, "nativo". Em primeiro lugar, isso causaria um choque metanarrativo único. Como se fosse o estranhamento de se ver num espelho, mas o reflexo não corresponder, de ter uma parte de si vista fora de si, e com autonomia. Como ver um fantasma. Não é só o autor da história dizendo "olha só, na verdade eles vivem no mesmo mundo". Creio que exista um potencial imenso para esse tipo de experimentação nos rpgs, que já foi mais esgotado em outras formas de arte. Em segundo lugar, como resolveríamos isso, enquanto grupo? Quem vai interpretar quem? Vai ter revezamento? O grupo decide? O narrador controla? Podemos, ainda, pensar numa interação indireta entre os personagens. Digamos que no atual rpg nós somos oniromantes, changelings ou algum rolê sci-fi tipo inception. Estamos adentrando o universo particular do personagem que fez crossover, de forma que ninguém precisa interpretá-lo individualmente. Nós podemos "habitá-lo", e usar do conhecimento que dividimos do outro rpg nesse, na criação do próprio cenário e ambientação. Um outro exemplo seria: somos arqueólogos e estamos explorando as ruínas de uma cidade antiga. Daí em algum momento é revelado (ou os jogadores decidem in-game) que as ruínas são daquela cidade em que a gente jogou um rpg durante todo o ano passado e depois abandonou porque enjoamos. Esse tipo de pessoalidade da história, de intimidade que os jogadores podem ter com os temas e conflitos da narrativa, é simplesmente impossível de atingir fora do rpg, me parece.

Sobre mecânicas, acredito que as mais relevantes são as que de alguma forma definem o que os personagens são em relação aos outros, mas num sentido de delegar poder narrativo, não de contê-lo. No fundo a intenção é que as pessoas consigam imaginar o que elas estão tentando, e se surpreendam com as interações dessas fantasias com as fantasias dos outros. Então, por exemplo, imaginemos que em um rpg de ficção científica, os jogadores são a tripulação de uma nave. Um personagem é engenheiro roboticista, outro é piloto e navegador, o terceiro é médico e biólogo. Em vez das mecânicas servirem para dizer se o engenheiro consegue ou não consertar a nave, o navegador sabe ou não o caminho para tal lugar, o biólogo consegue ou não entender os organismos de tal planeta, ou seja, contendo o poder narrativo dos jogadores, elas deveriam servir para delegar funcionalmente esses poderes, para que esses personagens funcionem como chaves para acessar o conteúdo do cenário, em vez de riscos, de coisas que o jogador tem que "cuidar" para poder continuar jogando.

quarta-feira, outubro 14, 2020

sobre o pendor básico à servidão voluntária

"a fantasia neurótica, no fundo, é aquele mestre que cada um inventa para si, para obedecer, ou seja, renunciar sua própria liberdade, transferi-la para o outro e obedecer"

quarta-feira, setembro 16, 2020

"eles saberão o que é

para que não o mar os engula

mas que o longo breu se aproxime

nosso amigo não lembramos

quem sabe seu nome

quem sabe bem mais"

quinta-feira, agosto 20, 2020

jogos de linguagem e azar

o servidor caiu; a punheta bateu
durante o gozo, um pensamento:
wittgenstein
acho que entendi
esse negócio de ponto cego
da linguagem, entendi, acho eu
é tão estranho quanto perceber que
ao andar, boto um pé depois do outro
e, ao falar, boto um jogo dentro do outro
e que, ao gozar, observo um e apago o outro

sexta-feira, agosto 14, 2020

no canto do meu olho, se afogando no chuveiro; a gente chorou, vomitou e usou droga no banheiro

quarta-feira, maio 27, 2020

"Estamos chegando numa situação semicômica na epistemologia psicológica. Devido ao nível atualmente estonteante de dados que temos sobre os pensamentos mais fúteis e incompreensíveis da população, chegamos a conclusões estatísticas ridículas, como a porcentagem de pessoas que pensam em urinar na pia enquanto não o fazem, e que conclusões místicas podemos tirar desse tipo de informação? Eu sinceramente espero que o público concorde que nenhuma."

- Cassandra Pentesilova, defendendo a sua "Proposta para uma Inquisição Científica" na oitava reunião central do Escritório Litúrgico do Códice.

sexta-feira, abril 24, 2020

então ela começou a narrar vários momentos em que estivemos juntos, que nem eram tão importantes pra mim. lembro de pensar "essas são as boas memórias que os outros têm de mim" e ficar meio assustado com isso.

quarta-feira, abril 15, 2020

padre meditando no segundo inferno

naquele dia, durante a oração da manhã, senti amor
um tipo de amor apaixonado e flertante, de outros tempos
da época em que eu ainda não era padre e era muito apaixonado por alguém
não era um amor por deus, não era por nada invisível
era morno, aconchegante e carnal
era meu elo com o mundo
achei até que era o sentido da minha existência
veja bem, não estou falando do ato de amar, mas de lembrar desse amor que tive
desse amor carnal e único, não abstrato
que, por mais que invisível, seu objeto era alguém perfeitamente visível!
e não havia nada de sagrado no objeto desse amor, mas havia nesse ato
ao contrário do amor que é sagrado, mas por essa divindade genérica

lembro de ter passado o resto daquele dia profundamente mergulhado nesse pensamento
anoitecendo, pude ver com clareza uma coisa que o sol ofuscava
o amor não poderia ser absoluto, não poderia ser universal, não poderia ser total
o que ele poderia ser? o laço que eu tinha com a singularidade absoluta que era meu amado
e isso tinha que ser, necessariamente, único e excludente
assim, eu o amei a despeito de todo o resto
e agora estou aqui.

não me arrependo, claro que não. faria tudo de novo, se fosse o caso.
depois de tanto tempo aqui, morto, pode-se dizer que estou em paz com o que fiz do meu tempo vivo.
cheguei à conclusão de que isso, pela qual fui condenado, realmente era o sentido da minha vida.
é uma coisa que justifica todas as outras
por isso, não me arrependo
e por não me arrepender, nunca vou sair daqui

ele também deve estar por aqui
nós pecamos juntos, afinal
sim, em algum lugar por aqui
mas não o procuro mais

sexta-feira, março 20, 2020

roteiro de uma punheta estrangeira

1- hoje, ao acordar, vi que tinha recebido uma mensagem de uma pessoa que flertava comigo no lugar onde eu trabalhava. fazia uns dois anos que não nos falávamos. era só ela puxando um assunto, falando "quanto tempo, hein", esse tipo de papo furado;
2- imediatamente fui ao banheiro me masturbar;
3- depois de três minutos, invadido preguiça e vontade de desistir. abri outras abas e voltei a ver o documentário sobre o kenneth anger que dormi vendo ontem;
4- finalmente desisto, saio do banheiro* e resolvo comer alguma coisa (mas, antes, um cigarro, evidentemente);
5- após ter concordado com meu corpo nos itens anteriores, eis que ele me surpreende e eu resolvo que vou, sim, terminar essa punheta;
6- rapidamente fecho os olhos e gozo;
7- palavras flutuam na escuridão pós-gozo: "eu sou desejado"

*bater punheta no banheiro é um resquício de civilidade quando se mora só

quarta-feira, março 11, 2020

conteúdo da história das histórias

"até o momento da queda de constantinopla para os otomanos, era um lugar comum entre as historiadoras denebianas que:

1- ao biografar uma das bruxas do clã, era impossível determinar o momento mais sofrido de sua vida, eis que as fases ruins são tão frequentes que estamos falando não de picos e vales, mas de uma planície homogênea;

2- arrependimento, rancor e vingança eram as palavras mais usadas por elas nas runas que compunham seus feitiços;

3- o preço de toda ação é pago com juventude;

4- não agir não é uma opção;

5- todo calor humano será repago

eis a lição dos familiares"

(do livro das historíssimas)

sexta-feira, fevereiro 28, 2020

três pesadelos em um carnaval

[25/02/2020]
estou no quarto deitado; papai entra no quarto; eu finjo dormir; ele tranca a porta e começa a contar vários problemas idiotas para mim; o resto do sonho é wahwahwahwahwahwah (tipo os adultos do desenho do charlie brown).


[26/02/2020]
tem a alessandra, não lembro mais.


[28/02/2020] (acordo chorando com lamento della ninfa na cabeça, muito aliviado de ter acordado)
estou em uberlândia e é aniversário da fernanda; o dia está frio e eu estou deitado de pau duro no sofá; subo e desço as escadas da casa dos meus avós, o corrimão está frouxo e balançando; estou estranho e parecendo meio bêbado, trocando as pernas e esbarrando nas coisas; tem muita gente que eu não conheço, mas consigo encontrar minha família e digo pra tia nagete que amo ela, quando vejo a vovó fico com preguiça mas a abraço e começo a chorar desesperadamente, ela está fraca e eu acabo derrubando ela no chão sem querer, mas tia nagete acha isso bonitinho; o idiota do serginho está com cabelo de surfista e roupa florida de gringo (vermelha com flores brancas), ele está tentando ser legal e falar comigo, me procurando pela casa, querendo me contar alguma coisa, eu não sei o que é; a salena está rindo de algo, mamãe está com ela; eu aguço a audição e consigo ouvir mamãe dizer pra ela em tom de piada que alguém casou com o único verdadeiro herdeiro, eu a desafio a repetir o que disse, supondo que ela esteja falando de um dos meus primos (possivelmente o pedro); ela foge de mim subindo as escadas até o quarto onde a gente costumava dormir; eu digo que estou vendo o fantasma do vovô atrás dela; estou cada vez mais "bêbado"; mamãe me diz que não tem luz na casa no domingo; eu decido que vou fazer a vida da mamãe um inferno; umas mulheres estranhas dizem que sou um péssimo filho; eu tento argumentar, digo que sempre fui um bom menino mas que não conseguia mais, elas não concordam e fazem cara de reprovação, mamãe fica em silêncio meio constrangida; eu tento dormir mas não consigo; eu acuso minha mãe de ter me enganado para me trazer para uberlândia, ninguém no sonho parece achar que ela realmente tenha me enganado; eu começo a duvidar se isso é verdade; a luz volta de repente; eu tenho a impressão de estar nu mas não consigo olhar pra baixo pra ter certeza; tem mais coisa, não consigo lembrar;

terça-feira, dezembro 24, 2019

veremos

ver-vos-ei
ver-me-ão
a partir de agora
foi sempre assim

machucada?

cada macho
mais chocado

segunda-feira, dezembro 16, 2019

tudo o que o olho não pode ver
não pode ver o olho também
por isso, saiba, podes te masturbar à vontade
e imaginar
que tudo o que tu não tocas
não possa te tocar também

dezenove de dezembro

feliz aniversário pra ti, raio na tempestade, treva da minha noite
particular
meu estrondo

quinta-feira, dezembro 05, 2019

coice

égua choice: foda-se