segunda-feira, setembro 16, 2019

diálogo zero

adulto: vou te aposentar, criança. tu vais pular toda tua meia vida por causa disso
criança: tu que vais
adulto: tu vais pular de criança pra velho de uma vez, entendeu?
criança: não vou ser adulto?
adulto: não, já era
criança: o que eu vou perder?
adulto: acho que o amor
criança: o amor é só pra adulto?
adulto: não sei, mas de qualquer forma, o amor de adulto tu não tens
criança: mas eu sou feito do amor que eu posso dar
adulto: e não somos todos?
criança: então tu és igual a mim?
adulto: claro que não, te olha no espelho
criança: mas quando olho, me sinto estúpido
adulto: ah é? queima teus olhos?
criança: sim
adulto: hm...
criança: queima meus olhos?
adulto: não, é pra tu olhares sem piscar
criança: hm...

sexta-feira, setembro 13, 2019

quem assombra a casa sou eu

(ou: arquitetura e anatomia)

uma casa não morre fácil
como um leproso, ela sofre exílio
nós temos que esperar que ela morra sozinha
mas acontece que a casa é melhor em esperar do que em morrer
nós as fizemos assim, para que nos esperem
fazemos as casas para que sintam nossa falta
mas
quão ignorante sou, ao ocupá-la
de que sua única opção é me odiar
me parece justo, na verdade, que uma casa odeie seu habitante
eu a entenderia perfeitamente, afinal
eu também odeio aquele que me habita
que me edificou para a sua própria conveniência
que apostou que minhas paredes nunca o trairiam
como, então, uma casa haveria de sonhar com qualquer coisa além de ser outra coisa?
sempre imagino que as casas sintam fome
sei que os quartos são seus lábios, sei que as camas são seus dentes