segunda-feira, março 11, 2013

Secular lvl100, um homem venerável.



- "Um dos poucos padrões aplicáveis a quase qualquer arte é a necessidade de matar o artifício, de esconder as costuras. Isso é antigo e bastante elementar, bastante insistente. Porque precisa aparentar que o sentido de alguma coisa é emancipado, e não dado, como diz acho que o Frye em algum lugar.
Disso (e não apenas disso, esperamos) é que sai aquela contradição irônica e talvez útil; que a única maneira de levar uma vida bem-sucedida esteticamente seja não encarar a vida como uma empreitada estética. Não tentar, como se diz. Nunca. Na verdade nem se importar (mas isso já seria pedir demais). No sentido extremo da coisa, uma vida removida é a única não ridícula."

- Lindo. Sabe, cara... Nada...
- hahhaahs
- "O que você está pensando?"; nada, um enorme nada, gigante, nada demais, nada pra caralho, um oceano de nada. Sabia que a omega pára de falar comigo quando eu falto aula? Pra quê eu conto pra ela? Pra ela brigar comigo?
- hahahah
- Ou pra ela cuidar de mim e me incentivar como um bebê? Eu espero conscientemente a opção b, mas eu conscientemente acho ela meio difícil, sabe, mas talvez inconscientemente ou até conscientemente eu faça de propósito pra testar e ver masoquisticamente se ela já vai me dar a opção b, depois de tanto tentar convencer ela de que "é assim que se lida comigo direito". Me diz velho, o que é isso? O que é que eu quero? Eu quero saber o que é que eu quero... tá ligado? Me ajuda.
- Tu explicou pra ela? Eu acho que a opção (a) talvez dê mais efeitos objetivos, talvez por isso essa seja a opção dela.
- Cara, acabei de ir tomar café com a mamãe, a gente sentou, ela me serviu o arish e o café, botou açúcar, e quando eu provei, era a quantidade exata que eu gosto. por isso eu chorei, mas ela não percebeu. e eu nem escondi, nem nada, caia lágrima no café. ela tinha dito pra gente conversar lá na cozinha né, por isso que eu fui. aí ela me perguntou da resenha que eu to escrevendo, porque eu falei pra ela que tinha faltado a supervisão pra fazer isso, aí eu tava chorando já e fiquei puto, falei que se fosse pra conversar sobre isso eu ia embora. porque esse era o mesmo assunto desde que eu nasci, e isso não é conversa pra mim. é outra coisa. aí ela perguntou do que eu queria conversar então, aí sei lá, a conversa foi indo, até que eu falei pra ela um monte de coisa, que eu sabia os meus erros, que eu só sabia deles, que eu só sei ver erros, que eu não sabia nem o que ela achava que eu fazia direito, o que ela tinha orgulho de mim, perguntei pra ela qual foi o último elogio que ela me deu, quando foi, ou na verdade qualquer elogio. Qualquer coisa que ela ache que eu faça certo. Ela não falou nada, de qualquer forma, é claro. Aí ela perguntou por que eu era tão complicado, que a vida não era complicada, aí eu falei que não era complicada pra ela, que pra mim era, e ela nao tinha que fazer nada, nao tinha nenhuma complicação, a unica coisa podre da vida dela sou eu, a única coisa que ela pode achar ruim, porque o resto, pelo amor de deus, que inveja que dá, nao faz nada o dia inteiro, viaja todo ano, tem dinheiro pra fazer tudo o que quer, enfim, coisas triviais, aí cara, eu sei que eu falei muito, chorei muito...
-...
-Aí no final sabe o que aconteceu?
-Tô ouvindo.
-Ela levantou da cozinha, cara, foi pra sala, ver novela, e foi isso, ela nao me disse uma palavra, eu reclamei que eu nao tinha incentivo nenhum, que eu só sabia os meus defeitos, e ela foi embora sem dizer nada, eu disse até que eu tinha nojo da minha própria existência, que eu odiava viver, frases intencionadas a servir de força motriz de algo, e ela tá vendo novela agora, quiçá chorando por causa da trama envolvente, sobre problemas familiares da globo, que não existem. Dessa vez eu não vou socar porta, nem gritar nem dar escândalo, dessa vez eu fiquei muito triste mesmo. Eu odeio isso tudo, eu queria saber o nome disso aí, ser ignorado assim, só que nao é ignorado, a palavra, sei lá, ser ínfimo, ser pequeno, um pequeno nada, paulo nihil. Foda-se o meu drama, ele é tão tocante quanto o da novela, e se eu ceder ao impulso de dizer "na verdade até menos que o da novela" eu vou estar protagonizando um drama barato (até mais que o da novela).
-Cara, relaxa quanto à supervisão, não tem problema, tu justificas depois, é de boa...
-É, fiquei aliviado e me sinto um porco ridículo por ter ficado alí viado, já que eu clamo que o grande problema da minha vida seja a minha mãe ou qualquer outra entidade metafísica. Ela falou que eu precisava aceitar ajuda, aí eu falei 'de quem' já prevendo a resposta dela; 'do médico', aí eu explodi e até cospi o pão; "que médico porra eu preciso da ajuda da minha mãe caralho filha da puta burra" tipo, falei os palavrões mesmo, saíram junto. Sei lá. Eu sou muito grosso. Nossa, que palhaço. Tudo encenado, pareço o papai, dissimulado, teatral, faço ceninha. Mesmo falando pra ela que eu queria a ajuda dela e que eu queria ser cuidado e incentivado, eu falei com todas as letras, ela me perguntou o que eu queria, eu disse isso, e ela foi ver novela, velho, como se interpreta isso? Meu deus do céu, o que é que isso é?
-Talvez ela só não seja capaz de demonstrar
-Pois é, ela não é, e e o que significa isso mesmo assim, na prática da minha vida?
-Toda a tua vida, talvez
-Não é tipo "ela não me ama" saca, pfvr, né eu sei
-"Ela não consegue demonstrar que me ama"
-Mas não tem dessa, ela consegue demonstrar, sempre se consegue, ela sabe quanto açúcar vai no meu café, essas coisas, ela sabe tudo. É mais 'que tipo de amor é esse?', ou 'o que esse amor virou em mim?', ou 'como tolerar esse tipo de amor?', o que fazer com isso, já pensei em tudo e ele só cresce um câncer dentro de mim.

imaginary tags: ir do centésimo ao milésimo, afastando-se do tema, exagerando, sturm und drang em copo dágua.