domingo, fevereiro 28, 2016

sinto que me deves alguma satisfação
foste embora e levaste a chave do meu quarto do barba azul
como é que eu faço agora, com todos os meus segredos
trancados entre a espera e a procura

sábado, fevereiro 27, 2016

detalhe

nesse trecho temos um exemplo de uso do termo árabe "sakinah", correspondente ao hebraico "shekhinah", que é o nome da forma física de javé, YHWH, quando ela caminha entre os homens. é uma palavra do gênero feminino. apesar de ter em sua etimologia o sentido de "habitar", "permanecer no lugar", é interpretada no texto sagrado como "paz do senhor". vejamos:

"E seu Profeta disse-lhes: 'O sinal de seu reinado é que a Arca da Aliança chegará a vós, com a paz do Senhor e as relíquias das casas de Moisés e Arão dentro dela. Os anjos a carregarão. Esse é realmente um sinal para vós, se fordes crentes.'" alcorão 2:248

poderíamos, então, ler isso assim: "a arca da aliança chegará a vós, com a deusa e as relíquias das casas de moisés e arão dentro dela. os anjos a carregarão"

detalhe: "Os que não creem no Além dão aos anjos nomes femininos." alcorão 53:27

antes do islã, cada tribo tinha um ídolo, e todos esses ídolos eram considerados fêmeas e filhas de deus. há muitas alusões no alcorão a essa crença, veementemente condenada. três dessas divindades eram lat, izza e manat:

"Em verdade, ele o havia visto anteriormente
Junto à jujuba da divisa,
Perto do jardim onde se refugiam os piedosos
Quando a jujuba estava coberta por aquilo que a cobria.
O olhar não se desviou, nem foi demasiadamente ousado,
E presenciou alguns dos maiores sinais de Deus.
Vistes vós Lat e Izza, os ídolos,
E Manat, o terceiro entre eles?
Serão vossos os machos, e d'Ele as fêmeas?
Que partilha iníqua seria!" alcorão 53:13 a 22

pois é, jujuba tautológica.

(...)

de acordo com certas tradições muçulmanas, yajuj e majuj são dois povos inimigos do gênero humano: o primeiro é um povo de pigmeus; o outro, de gigantes. habitam atrás das montanhas da armênia e do azerbaijão e são impedidos de invadir o mundo por uma barragem construída por alexandre o grande, denominado o bicornudo. No fim dos tempos, eles conseguirão demolir a barragem e massacrar os homens. deus, então, os aniquilará.

"Se Deus não derrotasse os homens, uns pelos outros, a terra ficaria corrompida. Deus é generoso para com os mundos." alcorão 2:251

quinta-feira, fevereiro 25, 2016

generosa meia noite

sonhei contigo de novo hoje. foi a noite inteira isso. deitávamos de conchinha, pouco a pouco nos aproximávamos. encostavas teu pé no meu, discretamente, e roçavas a palma dele em mim. eu te encochava nessa hora, pegava nos teus peitos, na tua barriga, na tua cintura, na tua coxa, depois nos teus peitos de novo, agarrava eles com vontade, puxava o lóbulo da tua orelha com os dentes enquanto imaginava soltar toda a força da minha mão nesses dois oásis de gordura que repousam, fartos, generosos, no deserto magro do resto do teu corpo. sem aguentar mais, tu sentavas na minha barriga e ficavas direcionando teus peitos pra que a gravidade os derramasse sobre minha boca, revezadamente, o esquerdo, o direito, e tudo de novo, para que um peito não fique com ciúme do outro, jamais, e eu os chupava por horas, sentia o gosto do teu mamilo na minha língua, salivava muito, puxava tua barriga pra encostar na minha, beijava teu pescoço, e entre gemidos, tentavas dizer que não devíamos mais fazer aquilo, que não devíamos mais, mas dentro dos nossos pulmões já havia a presença larga, pesada e quente um do outro.

sonhantes, jazíamos ali, abandonados ao sol da meia-noite, pegando um sereno ardente, rendidos, enlaçados, salivantes, culpados, esperando acordar para saber nossa sentença.

quarta-feira, fevereiro 24, 2016

Tristão encontra a bruxa Gertrudes e passa pelo antigo ritual de sabatina ontológica

T: Se paro para contar uma história para mim mesmo
G: Se te emocionas
T: Narrativas sobre como criar uma criança
G: A importância da educação
T: Narrativas sobre aprender a desenhar
G: Como eu desenho?
T: Narrativas sobre começar a tocar
G: Como eu comecei?
T: Narativas sobre uma espécie de tutela que recebo, que procuro também, como se existissem mestres espalhados pelo mundo e coubesse a mim reunir seus conhecimentos, sem que eles soubessem: O mestre da montanha; o da terra; o dos ventos; o dos rios; o do fogo
G: É a jornada de um espírito livre, que nasceu para conhecer, decifrar, incendiar. É também a aventura egoísta de um corpo privilegiado
T: Se crio essas histórias e vivo dentro delas
G: Se teu mundo interno é formado disso, de invenções vazias
T: Devo abraçá-las para que exista chance de materializá-las? Devo nutrir essa espécie de fé, que tantas vezes me recompensou, que tantas vezes materializou meus desejos mais profundos? Ou seria isso apenas uma invenção vazia, uma história que conto para mim mesmo e essas coisas teriam me acontecido independente da minha fé? Seria possível parar de viver minhas próprias histórias e realmente me abrir para a voz do outro?
G: O outro tem uma voz que chacoalha o ar com vibrações mecânicas. A voz que estás acostumado a dar ouvidos é falada e ouvida antes mesmo de decolar aos ventos e se fazer física. Só tu falas, só tu ouves
T: O que eu faria, então, sem a história que me contei tantas vezes, sobre não estar sozinho? E o que devo fazer com essa história, agora que não me lembro mais como contá-la?
G: Como eu, que nunca a aprendi? Não consegues ver que sempre estiveste sozinho, fora da história, contando-a pra ti mesmo, enquanto eu estive sempre sozinha, dentro dela, te esperando?

sexta-feira, fevereiro 12, 2016

cheiro de camel na garrafa

(ou: lethobenthofobia)

estava eu conversando com um rapaz, muito bem apessoado, aliás, que puxou assunto comigo, gostou da minha roupa de bruxinha, e olha só que pequeno karma que essa história vai ser, te vi (reconheço teus trejeitos de longe), e, ali, do cantinho da minha visão, começaste a preencher os espaços com os teus movimentos, com as impossibilidades do teu corpo, é, de fato, és sempre bela, com qualquer roupa, qualquer cabelo, qualquer maquiagem, e foste ficando cada vez mais ao longo do tempo que te conheço, que ódio, não, não, parabéns, fico feliz de teres beleza, tenho um orgulho de historiador por ter visto cada pequena sensualidade se instalar no teu repertório corporal, um processo chamado desafloro dentro da ciência que eu fundei pra te estudar (hoje em dia há revisores que propõem a mudança do termo para desaforo).

não me reconheceste, graças aos véus, e resolvi te surpreender (saca só o pequeno karma): oi, tudo bem? ooi, tudo! nem me reconheceste, né, é, estava me perguntando quem era essa bruxinha conversando com o meu amigo, quê, ele é teu amigo? é! a gente mora junto, pqp, sério? sério! e aí mais nada. depois desse nada acontecer, me ofereceste uma garrafinha dágua que seguravas entre nós dois, e aquilo me soou tão súbito, eu não esperava, achei até carinhoso, não sei se erroneamente, mas quem se importa, nessa altura ninguém mais se importa, e eu nem estava com vontade, mas aceitei a garrafa, e até hoje tenho sede da água que me ofereceste.

quinta-feira, fevereiro 04, 2016

hoje ouvi um tuím enquanto almoçava com teu amigo

De: Gertrudes
Para: Tristão

Que foi isso? um pequeno barulho, ouviste? agora tem só um ruído contínuo, bem baixinho, mas um estalo precedeu ele. não foi um estalo muito forte, é bem verdade. diremos então um estalo modesto, quase inaudível.

Esse ruidinho que existe agora não me incomoda. mais cedo ou mais tarde nem vou mais lembrar de prestar atenção nele. talvez ele até desapareça sem que eu perceba o momento. Pensando bem, ele deveria se sentir lisonjeado por eu poder localizá-lo dentre tantos sons mais altos.

Mas não é o que acontece, é claro. porque o ruído foi feito pra mim, é claro, me encontrou antes que eu o encontrasse. Como haveria ele de satisfazer-se com a lisonja da minha atenção meramente momentânea? Se a idéia é que as ruidosas ondas do teu choro sejam traduzidas em mim como incômodo, nada feito. Nada que fizeres, nenhum som, nenhum sentimento, vai me mover. Será tudo como se nada tivesse acontecido, só que não. Esse fingimento de realidade que eu sei fazer muito bem, tu sabes muito bem. Cada palavra que eu te disser te lembrará que na verdade nem fomos apresentados. "Será isso um fingimento de realidade ou será mais uma espécie de declaração de que nada aconteceu mesmo, mesmo?", te perguntarás, sem resposta, como quem conversa com um muro. Cada palavra que eu te disser, um tijolo a mais nesse muro. Tu vais dizer que esse muro foi erguido entre nós dois, é claro, porque tu és assim, dramático, a gente sabe. Mas na verdade, se tu parares pra pensar, e tu vais, vais ver que não, nem sabes em que direção cardeal eu fui, como saberias do que o muro te separa?