hoje ouvi um tuím enquanto almoçava com teu amigo
De: Gertrudes
Para: Tristão
Que foi isso? um pequeno barulho, ouviste? agora tem só um ruído contínuo, bem baixinho, mas um estalo precedeu ele. não foi um estalo muito forte, é bem verdade. diremos então um estalo modesto, quase inaudível.
Esse ruidinho que existe agora não me incomoda. mais cedo ou mais tarde nem vou mais lembrar de prestar atenção nele. talvez ele até desapareça sem que eu perceba o momento. Pensando bem, ele deveria se sentir lisonjeado por eu poder localizá-lo dentre tantos sons mais altos.
Mas não é o que acontece, é claro. porque o ruído foi feito pra mim, é claro, me encontrou antes que eu o encontrasse. Como haveria ele de satisfazer-se com a lisonja da minha atenção meramente momentânea? Se a idéia é que as ruidosas ondas do teu choro sejam traduzidas em mim como incômodo, nada feito. Nada que fizeres, nenhum som, nenhum sentimento, vai me mover. Será tudo como se nada tivesse acontecido, só que não. Esse fingimento de realidade que eu sei fazer muito bem, tu sabes muito bem. Cada palavra que eu te disser te lembrará que na verdade nem fomos apresentados. "Será isso um fingimento de realidade ou será mais uma espécie de declaração de que nada aconteceu mesmo, mesmo?", te perguntarás, sem resposta, como quem conversa com um muro. Cada palavra que eu te disser, um tijolo a mais nesse muro. Tu vais dizer que esse muro foi erguido entre nós dois, é claro, porque tu és assim, dramático, a gente sabe. Mas na verdade, se tu parares pra pensar, e tu vais, vais ver que não, nem sabes em que direção cardeal eu fui, como saberias do que o muro te separa?
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