resto de cheiro
(ou: experiências de campo sobre o amor não especificado)
em quantas posições diferentes tu consegues dormir? posições essas que me deixam em dúvida sobre o teu desejo. primeiro, não posso te tocar, até adormeceres, aí cais pra cima de mim, pernas, mãos e cara. tenho a nítida impressão de que te minimasturbaste enquanto dormias.
no meio da noite, sem poder te tocar, fico fitando tua nuca, lutando contra o sono. dou valor nessa ansiedade, ela é única. imagino o tempo todo que a qualquer momento vais te virar e me olhar, que eu tenho que estar acordado para isso, lança em punho.
eu não sei direito o que o fato a seguir significa, mas não consigo deixar de achar que ele seja defacto significativo. sempre que estou quase perdendo a luta contra o sono, já vendo meus devaneios impressos na tua nuca (como alguma pornografia onírica indecifrável), surge um súcubo; de ti; da noite; no meio da noite. eu esperei o dia inteiro por ele, mas ele sempre me pega desprevenido; acho que um pesadelo faz isso também, e eu gosto dos meus pesadelos; mas não era nenhum sonho, porque tinha aquilo que eles nunca têm, um tipo de realidade que derrama coisa quente, macia, molhada e com cheiro de café, cigarro e tesão na minha cara. é rápido pra tomar consciência disso, lança em punho, pronto, em punho, mas eu devia ter trazido escudo, porque o súcubo me atacou como uma onça selvagem, eu tentei me proteger, fingido, era só um rpgzinho, o que eu queria era ser sucubizado.
(acabei pensando que mesmo as pessoas que não assistem filmes pornô escrotos sabem agir como uma pornstar, sabem falar as coisas [não é difícil] de pornstar, com a mesma vulgaridade e dominância)
me perguntaste o que eu queria, eu queria ser bicicleta. exigi meu direito de ser bicicleta. me faz de bicicleta que nem da outra vez, ordenei isso, porque estava no poder, eu era teu senhor naqueles minutos.
como uma boa garota, me obedeceste, e daí pra frente eu não tive mais poder nenhum. fiz várias exigências, ignoraste todas, agiste como uma espécie de empresária capitalista que passa por cima de tudo pra ter o que quer. muito que bem, viu, de novo.
depois exigiste uma nova coisa para eu querer, e eu disse o que havia pensado e escrito antes, que queria chupar todo o sal da tua pele, mas tu discordaste de mim, não era isso o que eu queria, o que era, então? eu tinha que adivinhar, que eu te coma, né, é isso, não, não é, é que eu te foda, é isso, é isso, obrigado por entregares essas palavras tão lindas, elas são como carinhos no meu âmago, são profundamente místicas, porque me imergem em um oceano de signos que eu de repente me dei conta de que quero decifrar
não sei se foi por eu ter pensado muito sobre isso, se foi a falta de alimentação durante o dia inteiro, se foi por eu ter falado durante a noite algumas coisas sobre mim que não pretendia, se foi a camisinha escrota ou se foi algum motivo bizarro interessantíssimo (tirei a morte e o enforcado em posições ruins no tarot, tu tiraste os amantes em posição favorável, e isso seria mais verdadeiro se fosse ficção do que sendo o fato que é), mas acabei inebriado por alguma mística burra deliciosa, que teve resultados físicos; não tem problema se eu broxei, usei o resto; mas ainda não consegui te dar o que tu queres, do jeito que tu queres
continuei te olhando depois da saída do súcubo. de volta aos devaneios pornográficos que vejo na tua nuca quando eu estou quase dormindo. e aí, o milagre: alguém acendeu a luz no prédio da frente, essa luz atravessou a noite e penetrou a janela, te deixou toda prateadinha, eu quase quis te acordar para veres o quanto estavas mágica, meu pau ficou duríssimo, mas já não tinha uso
de manhã, te fiz café, te deixei na parada, te despediste com um beijo. sinto um amor não especificado por esses dias, por tudo, mas talvez tu nunca saibas disso.
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