sexta-feira, janeiro 08, 2016

obras de vênus em câncer

(ou: bem vindo, esse é o teu quarto, eu fico com a chave para entrar quando bem entender, feche os olhos se precisares te sentir sozinho)

olha o teu horóscopo: "Tem uma sexualidade natural e não é muito dado a fantasias muito elaboradas. Prefere que o sexo seja puro coração e instinto. Deseja ser venerado como o deus do sexo."

eu nem queria tanto, mas e daí, tu me deste o que eu queria;
mas sempre quando tu querias, e nunca o quanto eu queria;
a querência aumenta; há fome

III- Me chamaste, eu não quis responder. Em vez disso, fiquei sozinho a jogar tarot para mim mesmo. Mais dez minutos passariam até que tu finalmente chegasse. Furaste o ar parado do corredor na minha direção, tive tempo só de olhar para frente e ver o teu rosto gostoso expressando algum tipo de vontade de me engolir inteiro. Num plano astral, o súcubo me pegou no colo, salivando de tesão, e pediu desculpinhas; no plano físico, no entanto, não disseste nada, e eu nada perguntei. Me abraçaste, me beijaste, e eu fiz aquele movimento com o pescoço mole, me derretendo todo, o mesmo movimento que um dia me perguntaste que motivo haveria para existir, e o motivo é: querer beber copos e copos da saliva do súcubo, até meu bucho ficar cheio.

IV- Como se os rios salivares do plano astral realmente escorressem para o plano físico e se concretizassem nos eletrodomésticos do apartamento, me chamaste naquela hora para tomar banho contigo, mas não consigo me lembrar se a água do chuveiro era quente ou não.

I- Era meu aniversário, e eu, por causa de castelos que se erguem nas nuvens, estava realmente triste (significado de "triste": narcisicamente fechado e investido em uma narrativa auto-sensual). No entanto, dentro daquele rio vertical que pede alguma referência (que não será feita) a Heráclito, eu nunca mais senti tanta alegria.

II- Tu que tinhas câncer, afinal, não eu. O horóscopo serve para evocar questões até então insondáveis pelos participantes da conversa; serviu, também, para que eu percebesse, no indesejado íntimo de uma onça leoa, em dois momentos, um inesperado câncer no lugar astral que era antes ocupado pelo súcubo: 1) ao me levar para um ninho nas águas verticais do eletrodoméstico; 2) ao terminarmos o banho e o gozo, secos, em pé, ao lado da pia, de costas para a porta.

Lá, vi que eu não era mais o mesmo;
E o chuveiro não era mais o mesmo;
Meu gozo não era mais o mesmo;
O corpo que gozava comigo não era mais o mesmo;
Será que tu, que gozavas em mim, ainda seria a mesma?