quarta-feira, outubro 21, 2015

Isto é uma peça. sem concerto. sem conserto.

Casting:
Lata de feijão vazia
Gertrudes
Machado Anão do planeta Assis
Água de salsicha
Peça quebrada



Lata de feijão vazia: Quando nos conhecemos, o tamanho dessa tecelagem morta que recobre teus pensamentos era maior. Pra ver, precisavas ainda de auxílio. Teu lugar no mundo era um muito longe das paisagens que hoje tua vontade e imaginação impõem sobre a teia do real. Eras outra, Gertrudes, e aqui está a prova. Uma foto.
Gertrudes:
Machado Anão do planeta Assis: Nós mentimos, Gertrudes, nós negamos. A foto não.
Gertrudes:



Machado Anão do planeta Assis: Mesmo assim, Gertrudes, acontece que a verdade congelada na foto da Lata de feijão vazia contigo supera qualquer recordação que tentássemos fazer agora. Vocês realmente estão na foto. E estão felizes.
Gertrudes:
Lata de feijão vazia: ................
Água de salsicha: Vocês eram os mesmos sim, podem ter mudado muito, mas mudaram juntos e ao mesmo tempo, o que faz com que os vocês de agora sejam os mesmos vocês que vieram desde o tempo dessa foto.
Peça quebrada: Talvez nós simplesmente não tenhamos conserto.
Água de salsicha: Talvez. Mas talvez nós possamos ter outra utilidade, sendo a mesma peça quebrada.
Peça quebrada: Eu não sou uma peça física quebrada. Sou uma peça de teatro.
Machado Anão do planeta Assis: A Lata de feijão já esteve cheia. A peça nem sempre foi quebrada. A Água nem sempre foi de salsicha. Assim como os cabelos, os olhos e os pincéis da primeira frase da peça, que é de teatro.

terça-feira, outubro 20, 2015

muad'dib

A grandeza é uma experiência transitória. Nunca é consistente. Depende em parte da imaginação criadora de mitos da humanidade. A pessoa que experimenta a grandeza precisa perceber o mito no qual está inserida. Precisa refletir o que nela é projetado. E precisa entender muito bem o sarcasmo. É isso que a desatrela da crença em suas próprias pretensões. O sarcasmo é tudo que lhe permite se mover dentro de si mesma. Sem essa qualidade, até mesmo a grandeza ocasional destruirá um homem.

Profeta Gertrudes

sábado, outubro 10, 2015

tu vês nos olhos da pessoa
de medo de ti
de não te reconhecendo
que tu estás sendo monstruoso

o sinal vem de fora
e tu tomas conhecimento quase instantaneamente
que atravessaste a fronteira humana

"os olhos do monstro" são os olhos que o monstro vê na vítima, os olhos de medo
porque os olhos do monstro mesmo são apenas quaisquer olhos
os olhos que provam que há um monstro são os da vítima
é a sua expressão de medo que positiva a monstruosidade da ação

quinta-feira, outubro 08, 2015

oi gertrudes

eu buscava uma trilha sonora para uma foto. procurei todas as músicas que me fazem chorar. mas acabei com uma que não é tão assim, chorosa. ela tem tudo a ver com a foto. ela tem tudo a ver com hoje.

o motivo é uma história que iniciamos, eu e mais uma pessoa, não tu, gertrudes, outra pessoa. começamos a contar uma história juntos e ela me perguntou se essas histórias improvisadas conjuntas costumam terminar. acho que não, gertrudes.

nessa história, haveria uma parte em que um personagem tentaria contar o seu nome e como foi parar no lugar onde estavam. tentaria, porque já não se lembra direito quem era, ou mesmo seu nome. ele teria dito isso:

No jardim das rosas 
De sonho e medo 
Pelos canteiros de espinhos e flores 
Lá, quero ver você 
Olerê, Olará, você me pegar

Madrugada fria de estranho sonho 
Acordou João, cachorro latia 
João abriu a porta 
O sonho existia

Que João fugisse 
Que João partisse 
Que João sumisse do mundo 
De nem Deus achar, lerê

Manhã noiteira de força viagem 
Leva em dianteira um dia de vantagem 
Folha de palmeira apaga a passagem 
O chão, na palma da mão, o chão, o chão

E manhã redonda de pedras altas 
Cruzou fronteira da servidão 
Olerê, quero ver 
Olerê

E por maus caminhos de toda sorte 
Buscando a vida, encontrando a morte 
Pela meia rosa do quadrante Norte 
João, João

Um tal de Chico chamado Antônio 
Num cavalo baio que era um burro velho 
Que na barra fria já cruzado o rio 
Lá vinha Matias cujo o nome é Pedro 
Aliás Horácio, vulgo Simão 
Lá um chamado Tião 
Chamado João

Recebendo aviso entortou caminho 
De Nor-Nordeste pra Norte-Norte 
Na meia vida de adiadas mortes 
Um estranho chamado João

No clarão das águas 
No deserto negro 
A perder mais nada 
Corajoso medo 
Lá quero ver você

Por sete caminhos de setenta sortes 
Setecentas vidas e sete mil mortes 
Esse um, João, João 
E deu dia claro 
E deu noite escura 
E deu meia-noite no coração 
Olerê, quero ver 
Olerê

Passa sete serras 
Passa cana brava 
No brejo das almas 
Tudo terminava 
No caminho velho onde a lama trava 
Lá no todo-fim-é-bom 
Se acabou João

No Jardim das rosas 
De sonho e medo 
No clarão das águas 
No deserto negro 
Lá, quero ver você 
Lerê, lará 
Você me pegar