segunda-feira, outubro 07, 2019

retórica do coveiro

(ou: o melhor plano funerário da cidade)

olha essa dor
olha bem
agora vou emoldurá-la e pendurá-la na parede
como vês, ela se tornou a diferença entre eu e o fundo
pois é minha, a minha dor
exposição de um quadro solitário em uma galeria vazia

a dor há de justificar tudo o que eu eventualmente diga
quaisquer quadros que despencarem de minhas paredes
seja pela moldura ou pelo contraste
a todos darei um estrondo característico, uma certa imagem acústica
que não deixa de ser uma espécie de lápide
e essas lápides serão todas erguidas em tua casa
porque é tua responsabilidade ser o mausoléu das minhas dores
a dor justificou tudo o que eu eventualmente disse
qualquer ossada cujo reconhecimento não seja mais possível

quando a nossa hora chegar, estarei indignada sobre outros jazigos
eu mesma esquecerei, eventualmente
não as dores sepultadas, mas o pagamento do plano funerário
afinal, quem és tu para guardar meus restos?