retórica do coveiro
(ou: o melhor plano funerário da cidade)
olha essa dor
olha bem
agora vou emoldurá-la e pendurá-la na parede
como vês, ela se tornou a diferença entre eu e o fundo
pois é minha, a minha dor
exposição de um quadro solitário em uma galeria vazia
quaisquer quadros que despencarem de minhas paredes
seja pela moldura ou pelo contraste
a todos darei um estrondo característico, uma certa imagem acústica
que não deixa de ser uma espécie de lápide
e essas lápides serão todas erguidas em tua casa
porque é tua responsabilidade ser o mausoléu das minhas dores
a dor justificou tudo o que eu eventualmente disse
qualquer ossada cujo reconhecimento não seja mais possível
a dor justificou tudo o que eu eventualmente disse
qualquer ossada cujo reconhecimento não seja mais possível
quando a nossa hora chegar, estarei indignada sobre outros jazigos
eu mesma esquecerei, eventualmente
não as dores sepultadas, mas o pagamento do plano funerário
afinal, quem és tu para guardar meus restos?
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